"Tomou a menina pela mão e disse-lhe...: «Levanta-te!»"
Até para ressuscitar os mortos, o Salvador não se contenta com agir através da palavra que, no entanto, é portadora das ordens divinas. Como cooperante, se assim se pode dizer, dessa obra tão fantástica, ele toma a sua própria carne, a fim de mostrar que ela tem o poder de dar a vida e para ensinar que ela lhe está intimamente ligada; ela é verdadeiramente a sua carne e não um corpo estranho. Foi o que aconteceu quando resuscitou a filha do chefe da sinagoga; ao dizer-lhe: "Menina, levanta-te", tomou-a pela mão. Como Deus que é, deu-lhe a vida através de uma ordem poderosa, mas deu-lhe a vida também através do contacto com a sua santa carne, testemunhando assim que uma mesma força divina age tanto no seu corpo como na sua palavra. De igual forma, quando chegou a uma cidade chamada Naim, em que iam enterrar o filho único de uma viuva, também tocou no caixão dizendo: "Jovem, eu te ordeno, levanta-te! (Lc 7, 13-17).
Assim, não só confere à sua palavra o poder de ressuscitar os mortos mas também, para mostrar que o seu corpo dá a vida, toca nos mortos e, através da sua carne, faz a vida passar para os cadáveres. Se o simples contacto com a sua carne sagrada devolve a vida a um corpo que se decompõe, que proveito não encontraremos nós na sua vivificante Eucaristia quando fizermos dela o nosso alimento? Ela transformará totalmente no bem que lhe é próprio, quer dizer, na imortalidade, aqueles que nela tiverem participado.
"Vai para tua casa, para junto dos teus, e conta-lhes tudo o que o Senhor fez por ti, na Sua misericórdia".
Assim como o Filho foi enviado pelo Pai, assim também ele enviou os Apóstolos (Jo 20,21) dizendo: “Ide, pois, ensinai todas as gentes, baptizai-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinai-as a observar tudo aquilo que vos mandei. Eis que estou convosco todos os dias até ao fim do mundo” (Mt 28,19-20). A Igreja recebeu dos Apóstolos este mandato solene de Cristo, de anunciar a verdade da salvação e de a levar até aos confins da terra. (Act 1,8). Faz portanto, suas as palavras do Apóstolo: “ai de mim, se não prego o Evangelho” (1Co 9,16), e por isso continua a mandar incessantemente os seus arautos, até que as novas igrejas se formem plenamente e prossigam, por sua vez, a obra da evangelização...Com efeito, é impelida pelo Espírito Santo a cooperar para que o desígnio de Deus, que fez de Cristo o princípio de salvação para todo o mundo, se realize totalmente. Pregando o Evangelho, a Igreja atrai os ouvintes a crer e confessar a fé, dispõe para o baptismo, liberta da escravidão do erro e incorpora-os a Cristo, a fim de que n’Ele cresçam pela caridade, até à plenitude. E a sua acção faz com que tudo quanto de bom encontra no coração e no espírito dos homens ou nos ritos e cultura próprios de cada povo, não só não pereça mas antes seja sanado, elevado e aperfeiçoado, para glória de Deus, confusão do demónio e felicidade do homem.A todo o discípulo de Cristo incumbe o encargo de difundir a fé, segundo a própria medida. Mas se todos podem baptizar os que acreditam, contudo, é próprio do sacerdote aperfeiçoar, com o sacrifício eucarístico, a edificação do corpo, cumprindo assim a palavra de Deus, anunciada pelo profeta: “do Oriente até ao Ocidente grande é o meu nome entre as gentes, e em todos os lugares é sacrificada e oferecida ao meu nome uma oblação pura” (Mal 1,11). É assim que a Igreja simultaneamente ora e trabalha para que toda a humanidade se transforme em Povo de Deus, corpo do Senhor e templo do Espírito Santo, e em Cristo, cabeça de todos, se dê ao Pai e Criador de todas as coisas toda a honra e toda a glória.
"Eis um ensinamento novo, proclamado com autoridade!"
"Tendes um só mestre, o Cristo" (Mt 23,10)... Com efeito, Cristo é "o reflexo da glória do Pai, a marca da sua substância, que sustém todas as coisas pela sua palavra poderosa" (He 1,3). É ele a origem de toda a sabedoria; o Verbo de Deus nas alturas é a fonte de toda a sabedoria. Cristo é a fonte de todo o conhecimento verdadeiro; com efeito, ele é "o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6)... Enquanto caminho, Cristo é mestre e princípio do conhecimento segundo a fé... É por isso que Pedro ensina na sua segunda carta: "Consideramos muito certa a palavra profética à qual fazeis bem prestar a vossa atenção como a uma lâmpada que brilhe num lugar escuro" (1,19)... Porque Cristo é o princípio de toda a revelação pela sua vinda no espírito e a confirmação de toda a autoridade pela sua vinda na carne. Primeiro vem no espírito, como luz reveladora de toda a visão profética. Segundo Daniel, "ele revela o que é profundo e escondido; ele conhece o que as trevas ocultam e habita na luz" (2,22); trata-se da luz da sabedoria divina que é Cristo. Em João, ele diz: "Eu sou a luz do mundo; quem me segue não caminha nas trevas" (8,12) e também "Enquanto tendes luz, acreditai na luz para vos tornardes filhos da luz" (12,36)... Sem esta luz que é Cristo, ninguém pode penetrar os segredos da fé. É por isso que, no Livro da Sabedoria, lemos: "Envia, ó Deus, essa Sabedoria do teu santo céu e do trono da tua majestade, para que ela esteja comigo e trabalhe a meu lado. Saberei assim o que te agrada... Na verdade, que homem pode conhecer os desígnios de Deus, quem pode imaginar a vontade de Deus?" (9, 10-13) Ninguém pode atingir a certeza da fé revelada, senão pela vinda de Cristo no espírito e na carne.
Batidos pelo vento e pelas ondas
Vou, com a graça do Senhor, falar-vos do Evangelho deste dia. Quero também, com a ajuda de Deus, encorajar-vos a que não deixeis adormecer a fé nos vossos corações no meio das tempestades e agitações deste mundo. O Senhor Jesus Cristo exercia sem qualquer dúvida o Seu poder sobre o sono, não menos que sobre a morte, e, quando navegava no lago, o Todo Poderoso não pôde sucumbir ao sono sem o querer. Se pensais que Ele não tinha esse poder, é porque Cristo dorme em vós. Se, pelo contrário, Cristo está desperto em vós, também a vossa fé está desperta. O apóstolo Paulo diz: «Que Cristo habite nos vossos corações pela fé» (Ef 3, 17).Portanto o sono de Cristo é o sinal de um mistério. Os ocupantes da barca representam as almas que atravessam a vida deste mundo no madeiro da cruz. Além disso, a barca é a figura da Igreja. De facto, todos os fiéis são templos onde Deus mora, e o coração de cada um deles é uma barca navegando no mar. Ela não pode naufragar, se o espírito tiver pensamentos bons. Injuriaram-te: é o vento que te fustiga. Encolerizaste-te: é a maré que sobe. Assim, quando o vento sopra e a maré sobe, a barca fica em perigo. O teu coração está em perigo, o teu coração é abanado pelas vagas. O ultraje provocou em ti o desejo de vingança. E aí está: tu vingaste-te, cedendo assim ao pecado do outro, e naufragaste. Porquê? Porque Cristo adormeceu dentro de ti, quer dizer que tu esqueceste Cristo. Então acorda Cristo, lembra-te de Cristo, que Cristo desperta em ti; pensa nEle.